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E500e Erasmo, Loucura



    >> Roteiro de estudo de filosofia: ant.: Erasmo de Roterdã. Próx.: Lutero.

      “Uma coisa pode parecer doce a quem a prova e amarga a outro; de modo que, se todos os homens estivessem doentes ou loucos, exceto dois ou três saudáveis ou sãos, estes pareceriam estar doentes ou loucos, e não aqueles outros†(Aristóteles).
E500e. ELOGIO DA LOUCURA. ERASMO DE ROTTERDAM
Ficha de leitura em 13/12/2006
. Publicado originalmente em 1511.

1 Não tens quem te elogie? Elogia-te a ti mesmo.

2 Para nós, os tolos, um dos maiores prazeres não consistirá em admirar, com a máxima surpresa, tudo o que nos vem dos países ultramontanos?

3 Em nossos dias, é como uma prova de nobreza notificar ao público o lugar no qual demos os nossos primeiros vagidos.

4 quem desejaria sacrificar-se ao laço matrimonial, se antes, como costumam fazer em geral os filósofos, refletisse bem nos incômodos que acompanham essa condição? Qual é a mulher que se submeteria ao dever conjugal, se todas conhecessem ou tivessem em mente as perigosas dores do parto e as penas da educação? (...] portanto, deveis a vida ao matrimônio e o matrimônio à Irreflexão (...].

5 Foi, por conseguinte, dessa agradável brincadeira, por mim temperada com o riso, o prazer e a amorosa embriaguez, que saíram os carrancudos filósofos, agora substituídos pelos homens vulgarmente chamados frades, os purpúreos monarcas, os pios sacerdotes e os pontífices três vezes santíssimos.

6 Que seria esta vida, se é que de vida merece o nome, sem os prazeres da volúpia?

7 Podeis, pois, estar certos de que também os estóicos não desprezam a volúpia, embora astutamente se finjam alheios a ela e a ultrajem com mil injúrias diante do povo, a fim de que, amedrontrando os outros, possam gozá-la mais freqüentemente.

8 Sófocles: “Como é bom viver! mas, sem sabedoria, porque esta é o veneno da vidaâ€.

9 (...] os jovens mudam inteiramente de caráter logo que principiam a ficar homens e, orientados pelas lições e pela experiência do mundo, entram na infeliz carreira da sabedoria. Vemos, então, desvanecer-se aos poucos a sua beleza, diminuir a sua vivacidade, desaparecerem aquela simplicidade e aquela candura tão apreciadas. E acaba por extinguir-se neles o natural vigor.

10 Um menino que falasse e agisse como um adulto não seria um pequeno monstro?

11 Não se pode negar que a infância é muito feliz; mas, nessa idade, não se tem o prazer de tagarelar, de resmungar por trás de todos, como fazem os velhos, prazer que constitui o principal condimento da vida.

12 Vê-se claramente que o homem não nasceu para gozar aqui na terra de uma felicidade perfeita.

13 Segundo a definição dos estóicos o sábio é aquele que vive de acordo com as regras da razão prescrita, e o louco, ao contrário, é o que se deixa arrastar ao sabor de suas paixões. Eis porque Júpiter, com receio de que a vida do homem se tornasse triste e infeliz, achou conveniente aumentar muito mais a dose das paixões que a da razão, de forma que a diferença entre ambas é pelo menos de um para vinte e quatro.

14 Acreditai-me, pois, que todo aquele que, agindo contra a natureza, se cobre com o manto da virtude, ou afeta uma falsa inclinação, ou não faz senão multiplicar os próprios defeitos.

15 Os homens tudo concedem às mulheres por causa da volúpia, e, por conseguinte, é só com a [Loucura] que as mulheres agradam aos homens.

16 Sem alegria, a vida humana nem sequer merece o nome de vida.

17 Quando, porventura, nasce entre esses austeros filósofos uma recíproca benevolência, decerto que não é sincera nem durável. Todos eles são de humor volúvel e intratável, além de serem penetrantes demais: têm olhos de lince para descobrir os defeitos dos amigos, e de toupeira para ver os próprios.

18 (...] menos numerosos seriam os matrimônios duráveis, se os maridos não ignorassem, por interesse, por complacência ou por burrice, a vida secreta de suas esposas.

19 Dizei-me por obséquio: um homem que odeia a si mesmo poderá, acaso, amar alguém? Um homem que discorda de si mesmo poderá, acaso, concordar com outro? Será capaz de inspirar alegria aos outros quem tem em si mesmo a aflição e o tédio?

20 A natureza, que em muitas coisas é mais madrasta do que mãe, imprimiu nos homens, sobretudo nos mais sensatos, uma fatal inclinação no sentido de cada qual não se contentar com o que tem, admirando e almejando o que não possui: daí o fato de todos os bens, todos os prazeres, todas as belezas da vida se corromperem e reduzirem a nada.

21 (...] se vos desgostais de vós mesmos, persuadi-vos de que nada podereis fazer de belo, de gracioso, de decente.

22 (...] é necessário que cada qual lisonjeie e adule a si mesmo, fazendo a si mesmo uma boa coleção de elogios, em lugar de ambicionar os de outrem. Finalmente, a felicidade consiste, sobretudo, em se querer ser o que se é. Ora, só o divino amor próprio pode conceder tamanho bem.

23 Os homens que se consagram ao estudo da ciência são, em geral, infelicíssimos em tudo, sobretudo com os filhos. Suponho que isso provenha de uma precaução da natureza, que dessa forma procura impedir que a peste da sabedoria se difunda em excesso entre os mortais.

24 (...) o filósofo não é bom, nem para si, nem para o seu país, nem para os seus. Mostrando-se sempre novo no mundo, em oposição às opiniões e aos costumes da universalidade dos cidadãos, atrai o ódio de todos com sua diferença de sentimentos e de maneiras. Tudo o que fazem os homens está cheio de loucura. São loucos tratando com loucos. Por conseguinte, se houver uma única cabeça que pretenda opor obstáculo à torrente da multidão, só lhe posso dar um conselho: que, a exemplo de Timão, se retire para um deserto, a fim de aí gozar à vontade dos frutos de sua sabedoria.

25 É sempre com semelhantes puerilidades que se faz mover a grande e estúpida besta que se chama povo.

26 É a Loucura que forma as cidades; graças a ela é que subsistem os governos, a religião, os conselhos, os tribunais; e é mesmo lícito asseverar que a vida humana não passa, afinal, de uma espécie de divertimento da Loucura.

27 Raros são os que sabem que, para fazer fortuna, é preciso não ter vergonha de nada e arriscar tudo.

28 (...) que é, afinal, a vida humana? Uma comédia. Cada qual aparece diferente de si mesmo; cada qual representa o seu papel sempre mascarado, pelo menos enquanto o chefe dos comediantes não o faz descer do palco. (...) Para dizer a verdade, tudo neste mundo não passa de uma sombra e de uma aparência, mas o fato é que esta grande e longa comédia não pode ser representada de outra forma.

29 (...) não há maior estupidez do que querer passar por sábio fora do tempo, assim também não há nada mais ridículo e imprudente do que uma prudência mal compreendida e inoportuna.

30 Eu não saberia dizer-vos que delito teria o homem cometido para merecer tão grande quantidade de males, nem que deus furioso o teria constrangido a nascer em tão horrível vale de misérias.

31 Os meus bons e fiéis súditos têm uma filosofia especial, que lhes faz distinguir muito bem os males imaginários dos males reais. Cai-vos uma pedra na cabeça? Oh! isso, sim, é na realidade um mal! Mas, a desonra, a infâmia, as censuras, as maldições só nos fazem mal quando queremos sentir: desde que não pensemos nisso, deixam de ser um mal. Que mal pode fazer o que murmura a sociedade, quando é certo que intimamente vos aplaudis?

32 (...) a gramática é mais do que suficiente para nos aborrecer durante toda a vida.

33 Pitágoras (...), declarou que o homem era o mais infeliz de todos os animais, pois todos os outros estão satisfeitos de ficar nos limites prefixados pela natureza, enquanto só o homem se esforça por ultrapassá-los.

34 (...) os sábios, em geral, só sabem dizer coisas melancólicas e, às vezes, confiando no próprio saber, permitem-se ofender os delicados ouvidos com pungentes verdades.

35 Concedo, de bom agrado, que a verdade seja odiada por todos e muito mais pelos monarcas.

36 Só se costuma defender a verdade quando não se é atingido por ela;

37 Se alguém, ao ver uma abóbora, a tomasse por uma mulher, dir-se-ia ser o pobrezinho um louco. A razão disso é que semelhante perturbação raras vezes costuma aparecer entre nós. Mas, quando um marido imbecil adora a mulher, julgando-a mais fiel do que Penélope, mesmo que ela lhe faça crescer na cabeça um bosque de chifres, e intimamente se felicita, bendizendo enormemente o seu destino e dando graças a Deus por o ter unido a semelhante Lucrécia, — ninguém acha que se trate de loucura, porque isso, hoje em dia, é a coisa mais natural deste mundo.